sábado, 29 de dezembro de 2012

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012



Natal


Ninguém o viu nascer.
Mas todos acreditam
Que nasceu.
É um menino e é Deus.
Na Páscoa vai morrer, já homem,
Porque entretanto cresceu
E recebeu
A missão singular
De carregar a cruz da nossa redenção.
Agora, nos cueiros da imaginação,
Sorri apenas
A quem vem,
Enquanto a Mãe,
Também
Imaginada,
Com ele ao colo,
Se enternece
E enternece
Os corações,
Cúmplice do milagre, que acontece
Todos os anos e em todas as nações.
Miguel Torga

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

domingo, 9 de dezembro de 2012

12 poetas em 12/12/12



ESTP

Clube de poesia

Poetas do séc. XX

12/12/2012

Público alvo: todos os alunos do 10º ano de escolaridade;
Local: Auditório da Escola;
Hora: 10:15 horas;
Duração: 90 minutos (2º bloco da manhã).

Convidado - o nosso amigo habitué Ivo Machado


sábado, 8 de dezembro de 2012

João Moura fala do seu livro “Nos destroços de um naufrágio”


Ainda o encontro com João Moura






Os alunos do 10º E1/F1 e 12º E1/F1 com o escritor João Moura na Biblioteca da Escola




Encontro com o escritor João Moura



No dia 20 do passado mês de novembro, na aula de Português, fomos assistir à apresentação do livro “Nos destroços de um naufrágio” de João Moura, no auditório da nossa Biblioteca.
O mesmo vinha acompanhado por dois grandes amigos já do tempo do liceu, nomeadamente, Simão Fonseca, crítico de Literatura, Música e Cinema, e Pedro Torrinha, Economista. Vários alunos do 10º e 12º anos dos cursos de Ciências Socioeconómicas e de Línguas e Humanidades leram poemas do seu livro, escolhidos e preparados na aula de Português das respetivas turmas. João Moura ficou agradavelmente surpreendido com tal receção. De seguida, falou um pouco do seu livro e também do seu percurso literário. Aproveitou para nos mostrar alguns vídeos ilustrativos de alguns poemas, que não se encontram neste livro. Alguns alunos colocaram algumas questões/curiosidades, às quais o autor tentou responder da melhor forma com a ajuda dos amigos que o acompanhavam.
Por fim, houve a habitual sessão de autógrafos e venda do livro.

As alunas: Helena e Sílvia da turma 10º E1

Le Petit Prince


est une œuvre de langue française, la plus connue d'Antoine de Saint-Exupéry. Publiée en 1943 à New York, c'est un conte poétique et philosophique sous l'apparence d'un conte pour enfants.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

domingo, 18 de novembro de 2012

On va à Paris le 24 à 28 avril? Vas-y, fonce!




Manuel António Pina faria hoje 69 anos.



Manuel António Pina nasceu, em Sabugal, a 18 de novembro de 1943 e faleceu, no Porto, a 19 de outubro de 2012.
Foi jornalista e escritor, premiado em 2011 com o Prémio Camões.
Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e foi jornalista do Jornal de Notícias durante três décadas, tendo sido depois cronista do Jornal de Notícias e da revista Notícias Magazine.
No dia em que completaria 69 anos de idade, o JN recorda e homenageia o jornalista português mais premiado de sempre (como escritor e cronista):
“Em 1971, no mesmo ano em que se torna jornalista profissional, MAP publica quatro poemas. São editados em "O armário", publicação feita em estêncil, com João Botelho e Manuel Resende. É também a poesia que lhe dá o primeiro dos dez prémios que recebeu. Em 1978. Depois, obteve mais três prémios específicos: em 2002, 2004 e 2005.
Pode dizer-se que MAP pensava em poesia, construindo a cidadania numa constante problematização dos processos da linguagem. A consagração máxima obtida com o Prémio Camões, em 2011, expressa esta dimensão, convergente no escritor e no jornalista.
O Prémio Camões 2011 assinala o "percurso coerente" de MAP, apesar de ser "a coisa mais inesperada que eu poderia esperar" (como disse na altura). Para a atribuição da maior consagração literária em língua portuguesa, o júri teve em consideração "a originalidade e diversidade do conjunto da obra premiada". Fora de dúvidas: foi uma unanimidade sem equívocos.
Tornou-se no jornalista português mais premiado de sempre (como escritor e cronista).
Pela sua obra poética, recebeu três prémios específicos, em vida. Mas, a poesia é para MAP muito mais do que prémios. É a casa, ou seja, "um sítio onde pousar a cabeça".”
JN – 18 de novembro de 2012

A sua obra incidiu principalmente na poesia e na literatura infanto-juvenil, embora tenha escrito também diversas peças de teatro e de obras de ficção e crónica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e TV e editadas em disco.
A sua obra se difundiu em países como França (francês e corso), Estados Unidos, Espanha (espanhol, galego e catalão), Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Croácia e Bulgária.
A 9 de Junho de 2005 foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.




Carta a Mário Cesariny No Dia Da Sua Morte

Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nossos (sic), vivo.

Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano.

Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.

Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.

Manuel António Pina

Completas
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina, in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”
A um Jovem Poeta
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"
A um Homem do Passado
Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?

Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.

Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

O Medo
Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

A Poesia Vai Acabar
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"


Algumas Coisas
A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
só a memória do esquecimento de tudo;
também o silêncio de aquele que fala se calará.

Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.

O que existe falta
sob a eternidade;
saber é esquecer, e
esta é a sabedoria e o esquecimento.

Manuel António Pina, in "Aquele que Quer Morrer"

Aos Filhos

Já nada nos pertence,
nem a nossa miséria.
O que vos deixaremos
a vós o roubaremos.

Toda a vida estivemos
sentados sobre a morte,
sobre a nossa própria morte!
Agora como morreremos?

Estes são tempos de
que não ficará memória,
alguma glória teríamos
fôssemos ao menos infames.

Comprámos e não pagámos,
faltámos a encontros:
nem sequer quando errámos
fizemos grande coisa!

Manuel António Pina, in "Um Sítio onde Pousar a Cabeça"

Amor como em Casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde
Saudade da prosa
Poesia, saudade da prosa;
escrevia "tu", escrevia "rosa";
mas nada me pertencia,
nem o mundo lá fora
nem a memória,
o que ignorava ou o que sabia.

E se regressava
pelo mesmo caminho
não encontrava

senão palavras
e lugares vazios:
símbolos, metáforas,

o rio não era o rio
nem corria e a própria morte
era um problema de estilo.

Onde é que eu já lera
o que sentia, até a
minha alheia melancolia?

Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"
Café do Molhe
Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti
naquele tempo eu ouvia)

porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia

que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de
Frei Luis de Léon que Poe

(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse
de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito

sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa

que tudo o que soubesse não o saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.


Manuel António Pina, in " Nenhuma palavra e nenhuma lembrança"
Chico
Talvez não fosses forte
para a felicidade,
nem para o medo.

Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa, erguem muros, fecham as janelas,
o medo
é a sua fortaleza.

O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.

Manuel António Pina, in "Cuidados Intensivos"

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

terça-feira, 6 de novembro de 2012

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Turmas 10º E e F1 na Biblioteca Escolar



RELATÓRIO DA ATIVIDADE:
VISITA E FORMAÇÃO DO UTILIZADOR DA BIBLIOTECA ESCOLAR DA NOSSA ESCOLA

No dia 23 de outubro, durante a aula de Português, fomos a uma sessão de formação sobre o utilizador da biblioteca escolar. Então, percorremos serenamente os corredores até à nossa Biblioteca, até porque estavam muitas outras aulas a decorrer, onde aguardámos tranquilamente a nossa vez de entrar no pequeno auditório da mesma. Estavam aí alunos de outras turmas que, tendo colocado muitas questões ao professor Daciano (Coordenador da BE ESTP), atrasaram a nossa sessão. Enquanto esperávamos, a nossa professora de Português foi-nos dando esclarecimentos quanto aos procedimentos a ter em conta enquanto utilizadores da Biblioteca.
Entretanto, o professor Daciano recebeu-nos, e depois de nos desejar as boas vindas, apresentou-nos um PowerPoint sobre como funciona a nossa Biblioteca. Assim, ficamos a conhecer as regras de funcionamento e organização da mesma, assim como os recursos físicos e digitais aí disponíveis. Quanto aos digitais, podemos encontrá-los, também, na página e no blogue da Biblioteca, assim como no Facebook e Twitter. O professor Daciano falou-nos ainda do arquivo onde se encontra parte do acervo mais antigo da Escola. Despertou-nos o interesse pela consulta de livros envelhecidos, chamando-nos à atenção para a grafia e estado de conservação dos mesmos.
Por fim, fizemos algumas perguntas ao Coordenador da BE, às quais obtivemos respostas. Terminámos esta formação com uma sessão fotográfica.

Turmas E1/F1 do 10º ano

BE ESTP



Relatório sobre a atividade na biblioteca: Formação do Utilizador

No dia 30 de outubro (terça feira) de 2012, durante o decorrer da aula Português, eu e a minha turma participamos numa sessão na Biblioteca Escolar: como utilizar a biblioteca corretamente.
A sessão correu bem, aprendi algumas coisas que na minha biblioteca antiga não tinha. Nesta atividade, na minha opinião, todas as turmas da Escola deviam participar, pois toda a gente sabe entrar na Biblioteca, mas muitas pessoas não sabem como utilizá-la, daí a importância desta ação de formação para todas as turmas da Escola. Na Biblioteca da minha antiga Escola, que era pequena, podíamos ir para os computadores, fazer trabalhos individuais ou de grupo, víamos filmes e ouvíamos música. Nesta Escola, a Biblioteca tem as mesmas funções, mas em comparação é melhor.
Quando chegámos á Biblioteca, sentámo-nos na zona informal, onde se pode ler um livro, uma revista ou até mesmo ouvir música. Ouvimos algumas explicações, para utilizar melhor a Biblioteca e tentar não incomodar as outras pessoas que lá estão. Em seguida, fomos para o pequeno auditório da Biblioteca, tendo passado por todas as zonas da mesma, onde se podem utilizar os computadores, fazer trabalhos individuais e também de grupo. No auditório visualizámos um PowerPoint onde já tinham sido referidas as funções da Biblioteca, anteriormente. Tivemos acesso ao blogue da Biblioteca. Ficámos a saber que podemos encontrar a página da nossa Biblioteca no Facebook e no Twitter.
Por fim, visualizámos um vídeo, onde tinha alunos dos EstadosUnidos a fazer um videoclip onde cantavam e liam um livro.
Gostei da sessão e aprendi que cada livro tem a sua ocupação e para encontrar mais facilmente o livro que pretendo basta conhecer a CDU. Também gostei de ver a zona onde estão os livros mais antigos. Aprendi novas maneiras para uma melhor utilização da Biblioteca.

Ana Raquel nº2 10ºS

10º S na Biblioteca Escolar





quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Tous les garcons et les filles - Francoise Hardy

Oh, l'amour, toujours l'amour!



Françoise Hardy

Tous Les Garçons Et Les Filles:

Tous les garçons et les filles de mon âge
se promènent dans la rue deux par deux
tous les garçons et les filles de mon âge
savent bien ce que c'est d'être heureux
et les yeux dans les yeux et la main dans la main
ils s'en vont amoureux sans peur du lendemain
oui mais moi, je vais seule par les rues, l'âme en peine
oui mais moi, je vais seule, car personne ne m'aime

Mes jours comme mes nuits sont en tous points pareils
sans joies et pleins d'ennuis personne ne murmure "je t'aime"
à mon oreille

Tous les garçons et les filles de mon âge
font ensemble des projets d'avenir
tous les garçons et les filles de mon âge
savent très bien ce qu'aimer veut dire
et les yeux dans les yeux et la main dans la main
ils s'en vont amoureux sans peur du lendemain
oui mais moi, je vais seule par les rues, l'âme en peine
oui mais moi, je vais seule, car personne ne m'aime

Mes jours comme mes nuits sont en tous points pareils
sans joies et pleins d'ennuis oh! quand donc pour moi brillera le soleil?

Comme les garçons et les filles de mon âge connaîtrais-je
bientôt ce qu'est l'amour?
comme les garçons et les filles de mon âge je me
demande quand viendra le jour
où les yeux dans ses yeux et la main dans sa main
j'aurai le coeur heureux sans peur du lendemain
le jour où je n'aurai plus du tout l'âme en peine

le jour où moi aussi j'aurai quelqu'un qui m'aime

domingo, 21 de outubro de 2012

Sempre Eça


"Seria o seu um desses corações de fraco, moles e flácidos, que não podem conservar um sentimento, o deixam fugir, escoar-se pelas malhas lassas do tecido reles?" Eça de Queirós, Os Maias

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Morreu o escritor Manuel António Pina



Morreu esta sexta-feira à tarde, no Porto, o escritor e jornalista Manuel António Pina. Galardoado em 2011 com o Prémio Camões, o mais importante da Língua Portuguesa, Manuel António Pina tem uma vasta obra de poesia e literatura infantil, sendo também autor de inúmeras peças de teatro e de livros de ficção e de crónica. Agostinho Santos JN

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A poesia anda na Escola 2012/2013



O poeta Fausto Guedes Teixeira nasceu na freguesia de Almacave, em Lamego, em 11 de Outubro de 1871, filho de José Augusto Guedes Teixeira e de sua esposa D. Leopoldina de Queirós Guedes, que haviam casado em 1868. O pai, falecido prematuramente, foi político influente (presidente da Câmara de Lamego, governador civil de Viseu e depois do Porto, deputado às cortes) e também empresário. O casal teve três filhos: Augusto, Fausto e Leopoldina Ema. Após o ensino primário, Fausto Guedes Teixeira iniciou aos 10 anos os seus estudos no Colégio de Campolide. Todavia não suportava muito bem o afastamento da mãe, e três anos depois vemo-lo de novo em Lamego a estudar no Colégio Roseira. O seu desejo era ser oficial da Marinha, mas o pai persuadiu-o a tirar Direito, como ele próprio, e assim em 1890-91 é aluno do 1.º ano da Faculdade de Direito, em Coimbra. Sem vocação para as leis, não obteve aproveitamento em diversos anos do curso, mas acabou por se bacharelar em 1898. O seu gosto era outro: a boémia, a contemplação das doces paisagens de Coimbra, a atividade literária. Abusa do absinto que o viria a pôr, mais tarde, em Lisboa, à beira do delirium tremens. Interrompe ainda o curso em 1895 e parte para o Brasil, munido de uma carta de apresentação de Eça de Queirós, decidido a fazer carreira no jornalismo. Mas a doença (febre amarela) e a inadaptação fizeram com que a estadia fosse curta (menos de um mês) e regressou aos estudos. Em 1899, já formado, encontramo-lo em Lisboa à procura de emprego. De compleição débil e enfermiça – Trindade Coelho referiu-se-lhe usando a expressão: «um passarinho» – continua a fazer uma vida de boémia e a frequentar lugares onde se reuniam os jovens literatos e artistas. É despachado ajudante de conservador em Loulé, cargo que exerce efemeramente, pois em 29 de Outubro, treze dias depois de casar com D. Margarida Braga, irmã do seu grande amigo e condiscípulo Alexandre Braga (Filho), parte com a esposa para Moçambique, onde o espera o cargo de Secretário de Governo do Distrito de Lourenço Marques. Como no Brasil, é uma estadia curta, devido à doença e inadaptação ao clima. Em 1900, está de novo em Lisboa, onde experimenta dificuldades financeiras. Consegue um modesto emprego no Mercado Geral de Produtos Agrícolas, e dirá a propósito a um amigo: «Vê no que veio a dar um poeta romântico: fiscal de nabos e pepinos na Praça da Figueira!» E, numa carta a Afonso Lopes Vieira: «(…) Eu mal tenho uma cadeira em que V. se pudesse sentar, tão difícil e dura é a minha situação na vida.» Porém, anos depois, as suas condições de vida melhoraram substancialmente. Em 1906, é feito Secretário do Museu das Janelas Verdes e em 1913, Administrador da Companhia dos Caminhos de Ferro de Benguela, posição esta que acumula com a anterior e lhe traz desafogo económico. No ano de 1917, um pouco contrariado, integra uma Embaixada Intelectual ao Brasil, chefiada por Alexandre Braga, então ministro da Justiça, e de que faziam parte também o poeta Augusto Gil e o dramaturgo Marcelino Mesquita, entre outras individualidades. Aí deixou uma excelente impressão: «(…) A segunda parte era o ‘clou’ do festival. Estavam todos ansiosos por ouvir a musa inspirada de Fausto Guedes Teixeira, tanto mais que nós já aqui tínhamos anunciado, em tempo, que não havia ninguém que dissesse os seus versos com mais fogo, com mais alma, como se ali mesmo, dominado pela sua alta inspiração, os estivesse a improvisar.» Em 1918, recebe um rude golpe: o falecimento da mãe, que fora sempre uma figura tutelar para o poeta. Por herança de seu tio materno, o 2.º Visconde de Valmor, Fausto torna-se um rico proprietário em Lamego, onde a partir de 1920 vive os últimos vinte anos de vida, isolado do mundo e doente, física e espiritualmente, na herdada Casa do Parque. Vai entretanto procurando uma aproximação a Deus, que lhe traz alguma serenidade de espírito. Vive em recolhimento quase ascético. Recusa distinções que lhe queriam conferir e o convite para sócio da Academia das Ciências. Os amigos homenageiam-no com um número especial do jornal Beira-Douro de 11 de Outubro de 1938. Faleceu a 13 de Julho de 1940. Teve um funeral imponente e repousa no jazigo da família, no Cemitério de Santa Cruz, em Lamego. Em 1990, por altura do cinquentenário da morte de Fausto Guedes Teixeira, os jornais Voz de Lamego e Lamego Hoje inserem um encarte que lhe é inteiramente dedicado. Em 2005, assinalando o 134.º aniversário do nascimento do poeta, a Liga dos Amigos do Museu de Lamego organizou uma exposição bibliográfica e documental. Existe um busto do escritor da autoria de Costa Mota Sobrinho, no Jardim da República, fronteiro aos Paços do Concelho de Lamego. O nome do poeta figura na toponímia da sua cidade natal, de Lisboa e de São Paulo. Fausto Guedes Teixeira foi um poeta singular, difícil de comparar com qualquer outro. A sua singularidade consiste sobretudo no obstinado afastamento do poeta em relação a correntes literárias, ao arrepio das novas escolas que sucessivamente dominaram o panorama poético – o parnasianismo, o naturalismo, o simbolismo, o modernismo –, mantendo-se atido a uma espécie de neo-romantismo serôdio e até de certo modo reactivo, à Alfred de Musset, especialmente na idade madura, já que a sua poesia da juventude revela por vezes uma certa colagem e influências de Guerra Junqueiro, António Nobre, Cesário Verde e outros. Foi chamado, apropriadamente, «poeta do amor e da paixão», expressão usada pela primeira vez, cremos, no título de um artigo sobre ele, da autoria de João Cid, publicado no jornal Beira-Douro em 11 de Outubro de 1938. Esse epíteto está escrito igualmente no seu túmulo e caracteriza de forma certeira a obra de um homem que dedicou parte substancial da sua relativamente extensa obra poética aos temas “do coração”: o predomínio do sentimento (fonte da verdade) sobre a razão, o amor, a mulher, o erotismo, mas também a solidão, a noite, a melancolia (…). Disse Augusto de Castro: «Há homens que pensam em verso. Fausto pensava, sentia e respirava – em verso.». E Amado Nervo, crítico literário espanhol, afirma: «(…) Ese admirable poeta íntimo, el más subjetivo de todos, que se llama Fausto Guedes Teixeira, el más amado de las mujeres y de todos los sentimientos. Su Mocedad perdida es un bello libro. Este poeta no tiene filiación con ninguno de los de su época; es el más original y su poesía psicológica es quizás única en Europa.»es un bello libro. Este poeta no tiene filiación con ninguno de los de su época; es el más original y su poesía psicológica es quizás única en Europa.» Acompanhemos um pouco mais de perto o seu percurso literário. Os primeiros tentames poéticos aparecem em 1889 (tinha ele 18 anos) no quinzenário juvenil Miniaturas, de Lamego. Não foram primícias especialmente promissoras. O Ultimato Inglês, em 1890, empurrou-o para os ideais republicanos, apesar de ter nascido no seio de uma família aristocrática (seu pai era visconde de Guedes Teixeira e sua mãe tinha laços familiares com os viscondes de Valmor e Almedina). No mesmo ano é cofundador em Lamego de um jornal de cariz revolucionário, A Revolução, de que saiu apenas um número, certamente devido à sua virulência. Em Novembro de 1894, já em Coimbra, funda com Alexandre Braga a revista Insultos – Crítica das Coisas Portuguesas, de que saíram 2 números, extremamente violentos, suscitando numerosas reacções, folhetos e manifestos. Embora de espírito introvertido e melancólico, dotado de um temperamento emotivo, sentimentalmente volúvel, fisicamente débil, Fausto Guedes Teixeira frequentava a boémia coimbrã, e mais tarde a lisboeta, que animava com leitura de poemas e onde privava com escritores e artistas – e bebia absinto. É geralmente tido como «o maior» pelos seus companheiros dessas noites de boémia. O seu primeiro livro saiu em 1892 com o título Náufragos. Glosava um trágico naufrágio ocorrido na Póvoa de Varzim. É constituído por um único poema, escrito em alexandrinos, onde é possível perceber a influência de Junqueiro e Victor Hugo. Seguiram-se Livro d’Amor (1894), Mocidade perdida (1886; 2.ª ed., 1926), Boa viagem (1898), Esperança nossa (1899), Carta a um poeta (1899), Saudades do coração (1902), Alma triste (1903), O meu livro (1908), Maria (1918), Sonetos de amor (1922), O meu livro (dois volumes, 1941 e 1942, respetivamente, edição definitiva e póstuma das obras completas).
In Ciclos - Poesia Trasmontana e Alto-Duriense
Câmara Municipal de Vila Real










AMAR OU ODIAR

Amar ou odiar: ou tudo ou nada!
O meio termo é que não pode ser
A alma tem d’estar sobressaltada
Para o nosso barro se sentir viver.

Não é uma cruz a que não for pesada,
Metade dum prazer não é um prazer;
E quem quiser a alma sossegada
Fuja do mundo e deixe-se morrer.

Vive-se tanto mais quanto se sente;
Todo o valor está no que sofremos…
Que nenhum homem seja indiferente!

Amemos muito, como odiamos já:
A verdade está sempre nos extremos,
Porque é no sentimento que ela está.
Fausto Guedes Teixeira



ESBOÇO

Negro o cabelo, a fronte iluminada,
O nariz curvo, a boca pequenina,
Nos olhos escuríssimos cravada
Uma estrela no fundo da retina.

Nas faces uma rosa desmaiada
E outra rosa nos lábios purpurina,
Seus pequeninos pés os duma fada
E o seu corpo um corpinho de menina.

Todos os traços cheios de expressão,
Nas mãos um fogo estranho que lhas beija,
Porque eu lhe pus nas mãos o coração.

Eis o esboço rápido daquela
Que, sempre que na vida alguém a veja,
Nunca mais vê ninguém senão a ela!
Fausto Guedes Teixeira




PARA TODO SEMPRE

Quando se chega a ver nitidamente
O erro duma primeira ligação,
É muito natural que toda a gente
Se dê um dia a outro coração.

Mas sempre que na vida a mulher sente
Que se enganou e aceita outra paixão,
Então, ou a conserva eternamente
Ou ela pensa que não tem perdão.

E é por esse motivo que, ao segundo
Amor, ela se prende como cega,
Sem com mais nada se importar no mundo.

É que a mulher, feliz ou desgraçada,
Não se perde na hora em que se entrega,
Mas na hora em que for abandonada.
Fausto Guedes Teixeira



FOGO DO CÉU

O que mais amo nesta criatura
E que apaixonadamente me traz
Não é a sua grande formosura,
Mas a paixão de que a julguei capaz.

Com tanta duração como ternura
E tão fiel como o supus tenaz,
Dar-me-ia esse amor toda a ventura
Em que hoje creio e não achei p’ra trás.

Quando consigo por acaso vê-la
Vendo os seus braços, lembro o seu abraço.
Vendo-lhe a boca, sonho os beijos dela.

E, enquanto a vida só prazeres segreda,
Seu lindo corpo some-se no espaço
Tomando a forma duma labareda.
Fausto Guedes Teixeira





terça-feira, 2 de outubro de 2012

Année scolaire 2012/2013

À tous mes élèves:

Allez-y, foncez!

domingo, 10 de junho de 2012

O poeta do mês






A poesia anda na Escola
O poeta do mês





FERNANDO PESSOA

Nascido em Lisboa, em 13 de Junho de 1888, o ano de Os Maias de Eça e de A Menina Júlia de Strindberg, e falecido, 47 anos depois, em 30 de Novembro de 1935, a vida do Pessoa consistiu, por assim (pessoanamente) dizer, em não haver vida: se por vida se entender um conjunto de acontecimentos mais ou menos visíveis e mais ou menos ruidosos. Não casou, não teve filhos, não é mesmo certo que tenha praticado, com alguma convicção, aquele acto de que pode resultar o nascimento de filhos, não teve emprego certo, não teve, tirando Mário de Sá-Carneiro, amigos que se pudessem considerar «íntimos», não concluiu um curso superior, não viajou, depois do seu regresso a Lisboa que se seguiu à estada (não por si determinada), de alguns anos, em Durban; a sua vida foi, vastamente, uma sucessão ininterrupta de não aconteceres, só dramaticamente entrecortados, uma vez pelo suicídio de Sá-Carneiro, acontecido à sua revelia. Bebeu muito – alguma coisa havia de ter feito em excesso.

O pai, Joaquim de Seabra Pessoa, era um pequeno funcionário, mas inteligente, lido e musicalmente dotado de cultura suficiente para se dedicar à crítica de música; a mãe, Maria Madalena Pinheiro Nogueira, era de boa cepa açoriana e recebera refinada educação.

O pai faleceu em 1893, tinha o futuro poeta 5 anos. Dois anos depois (1895) a mãe casa, em segundas núpcias, com João Miguel Rosa, cônsul português em Durban, a ele se indo juntar no ano seguinte. Entre 1896 e 1905, Fernando Pessoa faz os seus estudos em escolas inglesas (High School), recebendo, em 1904, o Prémio Rainha Vitória por um pequeno ensaio em inglês, como parte do exame de admissão à Universidade do Cabo. Em Agosto de 1905, regressa sozinho a Lisboa para frequentar o Curso Superior de Letras da Universidade de Lisboa. É sol de pouca dura, vindo a abandonar o referido curso ao fim de poucos meses. Transformara-se, assim, num duplo estrangeiro: um português atirado para uma África do Sul de língua inglesa (Natal), dando lugar, anos depois, a um adolescente de língua inglesa desaguando numa Lisboa de língua portuguesa (em 1905). Durban tinha-lhe sido território estrangeiro; Lisboa era agora, por sua vez, território estrangeiro. A vida, o amor, a amizade, a língua, a realidade do mundo, a literatura, iam ser, pela vida fora, territórios estrangeiros, não-evidências a investigar. Nada lhe seria nunca dado numa bandeja, com o fulgor das evidências que se nos impõem. Tudo tinha sido, era, ia ser, motivo de assombro. Mais tarde, em apontamentos íntimos, não publicados, ele próprio acentuará esta sua capacidade de assombro que era também uma incapacidade de se deixar visitar por evidências que o são só dos outros: «O facto assombroso – o único facto real –, o de as coisas existirem, o de alguma coisa existir, o de o ser ser, é a alma do fôlego de todas as artes [...] todo o génio (qualquer ideia de génio) é o renascimento do assombro. Na alma, aceitar é perder.» Na perpétua exploração desse assombro estará a raiz da sua prodigiosa produção em verso e em prosa, prosseguida nos intervalos (alongados) da sua mais ou menos errática profissão de correspondente comercial em línguas estrangeiras (inglês, sobretudo). Prodigiosa, em quantidade e variedade: «A variedade», dirá ele algures, «é a única desculpa para a abundância. Ninguém deveria deixar escritos vinte livros diferentes a não ser que conseguisse escrever como vinte homens diferentes. As obras de Victor Hugo enchem cinquenta volumes avantajados, no entanto, cada um dos volumes, quase cada uma das páginas, contém o Victor Hugo inteiro. As outras páginas somam-se como páginas, mas não como génio. Não havia nele produtividade mas simplesmente prolixidade. [...] Se um homem conseguir escrever como vinte homens diferentes, ele será vinte homens diferentes [...] e os seus vinte livros estarão em ordem.» Eis, em poucas palavras, a «justificação» da sua famosa «invenção» dos heterónimos, invenção que não foi, como se sabe, sua, embora ele a tenha levado a um tal paroxismo de intensidade e explicitação que, de algum modo, a fez nova e, por aí, a fez sua. A ideia do heterónimo encontra-se já implícita na «imitação» ou fingere, palavra latina de grego e aristoteliano sabor, e, numa das suas cartas, Byron não anda muito longe da teoria da multiplicação do eu, quando diz: «[...] se me conheço, deveria dizer que não tenho de todo personalidade... Sou tão mutável, sendo tudo à vez e nada por muito tempo – sou uma tal mélange de bem e de mal, que seria difícil descrever-me». Por outro lado, Stendhal, Kirkegaard, Eça de Queirós (com a criação de Fradique Mendes) e, já mais próximo de nós, Valery Larbaud e Antonio Machado recorreram ao uso do heterónimo, embora não tenham inventado o vocábulo. Fernando Pessoa, repete-se, até pela multiplicação quase cancerosa que deu à personalidade, criando cerca de trinta diferentes personae, de vária importância, deu estatuto adulto à invenção e iluminou-a com uma intensidade capaz de nos fazer ter dela uma espécie de consciência nova, o que levaria John Pilling a afirmar ser o autor de Mensagem «o mais múltiplo de todos os poetas modernos». Por outro lado, teve o cuidado meticuloso e, pelos vistos, frutuoso de mitificar, em devido tempo, a sua própria invenção, na famosa e inspirada carta que escreveu a Adolfo Casais Monteiro (13-1-1935), na qual confere ao dia auroral de 8 de Março de 1914 o estatuto de data-viragem nos anais da história literária pessoana e portuguesa, tout court o dia do aparecimento tumultuoso e imparável da série de poemas a que deu o título de O Guardador de Rebanhos, cujo autor, Alberto Caeiro, pagão de espécie complicada e espantadamente simples, se revela, desde logo, seu mestre... Mestre que o será também, confessadamente, de Ricardo Reis e de Álvaro de Campos. Cunhando medalha para a posteridade, Álvaro de Campos proclamará com o exagero militante que competentemente cultivava: «O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo.» E o próprio Pessoa-ele-mesmo (se é que há um Pessoa-ele-mesmo) fará o panegírico exaltado do seu mestre, em termos igualmente extremistas: «Pascoaes virado do avesso, sem o tirar do lugar onde está, dá isto – Alberto Caeiro. Como Whitman, Caeiro deixa-nos perplexos. Somos arrancados à nossa atitude crítica por um fenómeno tão extraordinário. Jamais vimos algo de parecido com ele. Mesmo depois de Whitman, Caeiro é estranho, e terrivelmente, pavorosamente, novo. Mesmo na nossa época, em que julgamos que nada há que nos possa espantar ou que possa gritar-nos uma novidade, Caeiro realmente espanta e realmente respira novidade absoluta.» Poeta que olha o mundo com o espanto de se não espantar, satisfeito com o mistério de não haver mistério («O único mistério é haver quem pense no mistério»), gozada e militantemente fora do íntimo (que não há) das coisas («O único sentido íntimo das coisas/É elas não terem sentido íntimo nenhum»), não é de admirar que esta terapêutica simples e operacionalmente consoladora tenha desvairado o engenheiro histérico e depressivo (Álvaro de Campos), levando-o a mais esta exaltação do seu mestre: «Ninguém é inconsolável ao pé da memória de Caeiro, ou dos seus versos; e a própria ideia do nada – a mais pavorosa de todas se se pensa com a sensibilidade – tem, na obra e na recordação do meu mestre querido, qualquer coisa de luminoso e de alto, como o sol sobre as neves dos píncaros inatingíveis.»

Inventado Caeiro, Pessoa «trat(ou) de lhe descobrir – intuitiva e subconscientemente – uns discípulos». Assim nasceram Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Reis é, como Caeiro, pagão, mas tem, ao contrário do outro, rigor e densidade: «A sua inspiração é estreita e densa», observará Campos, «o seu pensamento compactamente sóbrio, a sua emoção real se bem que demasiadamente virada para o ponto cardeal chamado Ricardo Reis.» A respeito deste não muito popular heterónimo, observou o seu tradutor inglês, Jonathan Griffin, que Reis «é o mais que Pessoa conseguiu aproximar-se de Caeiro». «Discípulo de Caeiro, Reis trabalha o paganismo no sentido de uma doutrina ética, em parte epicurista, em parte estóica, no entanto, a um tempo consciente e distante de um universo condicionado pelo cristianismo; uma doutrina que permita a pessoas do mundo moderno viverem, sofrendo o menos possível.» Campos é o engenheiro graduado em Glasgow, futurista, amante, panegirista das máquinas, dos portos, do mundo moderno e aerodinâmico, oscilando entre a depressão e a histeria, desprezando os homens porque não brilham nem ostentam a simplicidade eficiente das máquinas: «Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!/Ser completo como uma máquina!/Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!» Jogando o jogo em que se fez mestre consumado – o faire semblant –, Pessoa traçaria, ele-próprio, o perfil magistralmente recortado de Álvaro de Campos: «Álvaro de Campos define-se excelentemente como um Walt Whitman com um poeta grego dentro de si. Há nele toda a pujança da sensação intelectual, emocional e física que caracterizava Whitman; mas nele verifica-se o traço precisamente oposto – um poder de construção e desenvolvimento ordenado de um poema que nenhum poeta depois de Milton jamais alcançou.»

O fenómeno Pessoa não nascera, é claro, do nada. A sugestão, mais, a proclamação descarada, pelo menos em relação a Caeiro, de que «jamais vimos algo de parecido com ele», de tal modo ele é «pavorosamente novo», pode levar-nos à ideia de que Fernando Pessoa insinuava uma ruptura total com o passado. Não é verdade. Em mais de um escrito, o autor de Mensagem faz questão de dizer, às vezes com ênfase quase polémica, que nunca se avança, a não ser com um pé atrás e outro à frente. Almada pretenderá, com estardalhaço exibicionista, fazer tábua rasa de um passado que o incomoda. Pessoa, pelo contrário, anota, cuidadosamente, possíveis e até prováveis influências: Baudelaire, Cesário Verde, Edgar Poe, Antero, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Garrett (que teria desencadeado nele o desejo de escrever poesia em português), Milton, Keats, Shelley, Byron, Tennyson, Wordsworth, Carlyle, Camilo Pessanha, simbolistas franceses, António Nobre e até José Duro e António Correia de Oliveira. Curiosamonte, os românticos, para ele, contam (o modernismo inglês rejeitará, em bloco, a herança romântica...). Almada quer provocar, épater, no próprio momento em que Pessoa confidencia ao seu amigo Côrtes-Rodrigues: «Passou de mim a ambição grosseira de brilhar, e essa outra, grosseiríssima, e de um plebeismo artístico insuportável, de querer épater.» Por isso é curioso observar como se lança, na aventura modernista, este grupo hoterogéneo: Almada, Sá-Carneiro, Santa-Rita Pintor, António Ferro, de um lado, isto é, pessoas que «como almas, propriamente, não contam», do outro, Fernando Pessoa, brincando a contragosto, quase nauseado e sempre «gravemente atento à importância misteriosa de existir». Seja como for, junta-se aos amigos literários e funda, em 1915, a revista Orpheu, que vai, por um breve momento, agitar a poeira de uma cultura que adormece. Nisto tudo, como observará, com argúcia, Octavio Paz, «as suas aparições são isoladas e espasmódicas, golpes de mão para aterrorizar os quatro gatos da literatura oficial». O importante não será tanto este espasmódico aparecer em público, como o rio subterrâneo da criação solitária e obstinada: «Como todos os grandes preguiçosos», observa ainda Paz, «passa a vida a fazer catálogos de obras que nunca escreverá; e como acontece também aos abúlicos, quando são apaixonados e imaginativos, para não rebentar, para não enlouquecer, quase às escondidas, à margem dos seus grandes projectos, escreve todos os dias um poema, um artigo, uma reflexão. Dispersão e tensão.» Preguiçoso, talvez, mas de uma espécie peculiar; abúlico, sem dúvida, mas obstinado também e administrador meticuloso da própria glória presente e a haver, como magistralmente demonstrou David Mourão-Ferreira ao fazer o mapa revelador das estratégias de publicação seguidas pelo autor de Mensagem. Na Athena, na Contemporânea, enfim, na Presença (que o acolhe e lhe dá tratamento de Mestre), Fernando Pessoa vai colocando o melhor da sua mercadoria poética e outra, assim assegurando a letra de forma ao mais excelso do que importa salvar. Em vida, à parte os poemas ingleses, dá forma de livro apenas à Mensagem, com que concorre a um prémio do Secretariado da Propaganda Nacional, com êxito relativo (um 2°. prémio). Conta, nos dois anos que, julga, lhe restam de vida, deixar organizados os manuscritos, para publicação. Enganara-se, contudo, na elaboração do seu próprio horóscopo (versão de Raul Leal), e a ampulheta chegara ao fim: os manuscritos iam ficar no baú, preservados mas não preparados para publicação imediata, quando o seu autor baixou, subitamente, ao Hospital de S. Luís dos Franceses, no dia 29 de Novembro de 1935, aí vindo a falecer no dia seguinte.

A sua obra, cuja publicação sistemática foi iniciada em 1942 pela Ática, sob a direcção de João Gaspar Simões, encontra-se ainda hoje, apesar da volumosa parte já dada à luz, não totalmente revelada. Por outro lado, sob a direcção de Ivo Castro, procede-se finalmente à realização cuidadosa de uma edição crítica – a melhor homenagem, no fim de contas, à grandeza do poeta.

in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994






















Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
que se chama o coração.

Fernando Pessoa



Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma nao é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, in Mensagem











O Quinto Império

Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raíz --
Ter por vida sepultura.

Eras sobre eras se somen
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa -- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Fernando Pessoa, in Mensagem



Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.


Alberto Caeiro






Lisbon revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.
Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;
Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;
ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.

Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...
E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,
Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa
(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),
Nas estradas e atalhos das florestas longínquas
Onde supus o meu ser,
Fogem desmantelados, últimos restos
Da ilusão final,
Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,
As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.

Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida...
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui...

Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei,
E aqui tornei a voltar, e a voltar.
E aqui de novo tornei a voltar?
Ou somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram,
Uma série de contas-entes ligados por um fio-memória,
Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim?

Outra vez te revejo,
Com o coração mais longínquo, a alma menos minha.

Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
Transeunte inútil de ti e de mim,
Estrangeiro aqui como em toda a parte,
Casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
No castelo maldito de ter que viver...

Outra vez te revejo,
Sombra que passa através das sombras, e brilha
Um momento a uma luz fúnebre desconhecida,
E entra na noite como um rastro de barco se perde
Na água que deixa de se ouvir...

Outra vez te revejo,
Mas, ai, a mim não me revejo!
Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,
E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim -
Um bocado de ti e de mim!...

Álvaro de Campos



O que há em mim é sobretudo cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos


O poeta do mês



sábado, 19 de maio de 2012

Albert Camus

“Ne marche pas devant moi, je ne suivrai peut-être pas. Ne marche pas derrière moi, je ne te guiderai peut-être pas. Marche juste à côté de moi et sois mon ami.”

O Trilho da cangosta do Estêvão e Casa Museu Camilo

Ontem de tarde, escoltados por uns pinguinhos de chuva aqui e ali, percorremos (alunos do 10º ano de escolaridade e respetivas professoras de Português, da Escola Secundária de Tomaz Pelayo) o Trilho da "cangosta do Estêvão", entre o Mosteiro de Landim e a Casa Museu de Camilo, em Seide S. Miguel – Vila Nova de Famalicão.
Foi uma caminhada literária através de páginas do "Cego de Landim", da "Brasileira de Prazins" e da "Maria Moisés", com interpretações do professor António Sousa, do Sr. Reinaldo Ferreira e de alguns alunos, dando vida às personagens da ficção camiliana e proporcionando belos momentos de muito humor, tendo culminado na visita guiada à Casa Museu.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O poeta do mês



LUANDINO VIEIRA
Escritor de origem portuguesa, José Luandino Vieira, pseudónimo literário de José Mateus Vieira da Graça, nasceu a 4 de maio de 1935, na Lagoa do Furadouro, em Ourém. Tornou-se, porém, cidadão angolano, tendo participado ativamente no movimento de libertação nacional e contribuído para o nascimento da República Popular de Angola.
Aos três anos de idade viajou para Angola, juntamente com os seus pais, e passou toda a infância e juventude em Luanda, onde fez o ensino secundário. Exerceu diversas profissões até ser preso em 1959, sendo depois libertado. Posteriormente, em 1961, foi de novo preso e condenado a 14 anos de prisão e medidas de segurança. Transferido, em 1964, para o campo de concentração do Tarrafal, onde passou oito anos, foi libertado em 1972, em regime de residência vigiada em Lisboa. Iniciou então a publicação da sua obra, escrita, na grande maioria, nas diversas prisões por onde passou.
Depois da independência angolana, foi nomeado para diversos cargos: organizou e dirigiu a Televisão Popular de Angola de 1975 a 1978; dirigiu o Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA até 1979; organizou e dirigiu o Instituto Angolano de Cinema de 1979 a 1984.
No domínio da literatura, foi um dos fundadores da União de Escritores Angolanos, em 1975, sendo seu secretário-geral desde então até finais de 1980. Foi também secretário-geral adjunto da Associação dos Escritores Afro-asiáticos, de 1979 a 1984, tornando-se depois secretário-geral da mesma até dezembro de 1989.
Pertenceu à geração angolana da "Cultura" entre 1957 e 1963. A sua escrita é original, usa o falar crioulo e subversivo da linguagem para dar um retrato mais realista às suas personagens, enriquecendo-as e conferindo-lhes a expressão viva e colorida das gentes o dos lugares pobres que retrata.
Do seu trabalho destacam-se as seguintes obras: A Cidade e a Infância (1957); A Vida Verdadeira de Domingos Xavier (1961, traduzido para várias línguas, constituindo também a base do filme Sambizanga, realizado por Sarah Maldoror); Luuanda (1963, traduzido também para várias línguas, recebeu o Prémio Literário angolano "Mota Veiga" em 1964 e o Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores em 1965, o que causou violenta reação da parte do Estado Novo); Vidas Novas (narrativas escritas em 1968 no Pavilhão Prisional da PIDE em Luanda, e apresentadas ao concurso literário da Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, tendo sido distinguidas com o Prémio "João Dias" por um júri de que faziam parte, entre outros, Urbano Tavares Rodrigues, Orlando da Costa, Lília da Fonseca, Noémia de Sousa e Carlos Ervedosa); Velhas Estórias (1974), João Vêncio: Os Seus Amores (1979), Kapapa: Pássaros e Peixes (1998), Nosso Musseque (2003) e Velhas Estórias (escrito em 1974, e reeditado em 2006).
Em 2006, foi galardoado com o mais importante prémio português de literatura, o Prémio Camões, que recusou por razões pessoais.



Luandino Vieira. In Infopédia. Porto: Porto Editora, 2003-2012.









Canção para Luanda
A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xé
mana Rosa peixeira
responde?

-Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!

"Olá almoço, olá almoçoeee
matona calapau
ji ferrera ji ferrereee"

- E você
mana Maria quintandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando, saltando
os pés percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
"maboque, m'boquinha boa
doce docinha"

- Mano
não pode responder
o tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
o corpo vendido
baton nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo o seu corpo
- seu corpo cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casa antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?

Meninos das ruas
cacambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?


Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
- os panos pintados
garridos, caidos
mostraram o coração:
- Luanda está aqui!

(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa)






Estrada
Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus

Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba

O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora

Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual

Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim

Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz
trazem a morte

Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:

Rios azuis
da longa estrada

E é fevereiro
sardões as sol
Cassoalala

Eia Mucoso
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz

Não param as colheitas

Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?

Não param as colheitas!



(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de








O poeta do mês


O poeta do mês de abril



ANTERO DE QUENTAL
18 de abril de 1842 - 11 de setembro de 1891

Antero de Quental é entre nós o grande criador de uma poesia filosófica romântica, influenciada pelos modelos alemães. Nasce em Ponta Delgada, no seio de uma família nobre e com tradições literárias da ilha de S. Miguel. Em 1852, vai para Lisboa estudar no Colégio do Pórtico, fundado por António Feliciano de Castilho, com quem já aprendera francês e latim em Ponta Delgada, entre 1847 e 1850. Um ano depois regressa a S. Miguel, de onde partirá em 1855 para Coimbra, a fim de fazer os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade. Aos dezasseis anos, inicia o curso de Direito. Durante a sua permanência em Coimbra, assume-se como uma figura influente no meio estudantil coimbrão, tomando parte em várias manifestações académicas. É por esta altura que contacta com os novos autores e correntes europeias - o socialismo utópico de Proudhon, o positivismo de Comte, o hegelianismo, o darwinismo, as doutrinas de Taine, Michelet, Renan, o romantismo social de Hugo - e, segundo confessará mais tarde, perde a fé. Em 1861, publica em edição limitada os Sonetos de Antero, obra dedicada ao poeta João de Deus, e, dois anos depois, os poemas Beatrice e Fiat Lux. Em 1865, publica as Odes Modernas, poesias de romantismo social, acompanhadas de uma "Nota sobre a Missão Revolucionária da Poesia". Em resposta à reação crítica de Castilho na carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, publica os opúsculos Bom Senso e Bom Gosto e A Dignidade das Letras e as Literaturas Oficiais, que desencadearam a Questão Coimbrã. Ainda no contexto da Questão Coimbrã, bate-se em duelo com Ramalho Ortigão, de quem viria a tornar-se amigo. Decide aprender o ofício de tipógrafo, primeiro em Lisboa e depois em Paris, onde conhece Michelet e lhe oferece um exemplar das Odes Modernas. Regressado a Lisboa em 1868, e depois de uma curta viagem à América do Norte, reúne-se com os seus antigos condiscípulos de Coimbra no "Cenáculo", grupo onde se discutem as doutrinas recentes e se descobrem os novos poetas (Baudelaire, Gautier, Nerval, Leconte de Lisle e o redescoberto Heine); fruto destes encontros, criação coletiva da Geração de 70, nasce o poeta satânico e dândi Carlos Fradique Mendes. Em 1871, organiza as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, proferindo as duas primeiras, O Espírito das Conferências e Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. No rescaldo da interrupção e da proibição das Conferências, consideradas subversivas pelo Governo, Antero vive a sua fase política mais intensa, fundando, com José Fontana, a I Internacional Operária em Portugal e também o jornal O Pensamento Social. Por esta altura, publica as primaveras Românticas e as Considerações sobre a Filosofia da História Literária Portuguesa. A partir de 1873, manifestam-se-lhe os primeiros sintomas de uma grave doença nervosa, que as mortes próximas da mãe e do pai acentuam, que o leva a consultar em Paris o famoso neurologista Charcot e a submeter-se, entre 1877 e 1878, a tratamentos de hidroterapia. Em 1875, publica uma segunda edição das Odes Modernas, atenuando-lhes o cunho revolucionário. Em 1880, adota duas órfãs, filhas do amigo e antigo colega de Coimbra Germano Meireles. Nessa altura, devido à doença, isola-se em Vila do Conde, continuando a escrever sonetos e ensaios filosóficos. Em 1886, publica os Sonetos Completos e o ensaio A Filosofia da Natureza dos Naturalistas. Em 1887, redige a célebre carta autobiográfica a Wilhelm Storck, seu tradutor alemão. Em 1890, publica o estudo filosófico Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX. No mesmo ano, em virtude do Ultimato inglês, regressa temporariamente à atividade pública, aceitando a presidência da efémera "Liga Patriótica do Norte". Em 1891, suicida-se em Ponta Delgada.


Antero de Quental: In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.











Na mão de Deus
Na mão de Deus, na sua mão direita,
descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da ilusão
desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais com que se enfeita
a ignorância infantil, despojo vão,
depus do Ideal e da paixão
a forma transitória e imperfeta.

Como criança em lôbrega jornada
que a mãe leva ao colo agasalhada
e atravessa sorrindo vagamente

selvas, mares, areias do deserto,
dorme o teu sono, coração liberto,
dorme na mão de Deus eternamente.

Antero de Quental

O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas de ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!

Antero de Quental


Sonho Oriental
Sonho-me às vezes rei, nalguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...

O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto num cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

Antero de Quental



O sonho do Rei Tule
Era uma vez um bom rei
Em Tule, essa ilha distante,
Ao morrer, deixou-lhe a amante
Um copo de oiro de lei.
-
Era um copo de oiro fino
Todo lavrado a primor;
Se fosse o cálix divino
Não lhe tinha mais amor.
-
Seus tristes olhos leais
Não tinham outra alegria:
E só por ele bebia
Nos seus banquetes reais.
-
Chegada a hora da morte
Põs-se o rei a meditar
Grandezas da sua sorte,
Seus reinos à beira-mar.
-
Deixava um rico tesoiro,
Palácios, vilas, cidades;
De nada tinha saudades,
A não ser do copo de oiro.
-
No castelo da devesa,
Naquelas salas sem fim,
Mandou armar uma mesa
Para o último festim.
-
Convidou sem mais tardar
Os seus fiéis cavaleiros,
Para os brindes derradeiros
No castelo à beira-mar.

Então, vazando-a de um trago,
E com entranhada mágoa,
Pôs nas ondas o olhar vago
E atirou a taça à água.
-
Viu-a boiar suspendida,
'Té que as ondas a levaram
Os olhos se lhe toldaram,
E não bebeu mais na vida!
-
Antero de Quental

Nocturno

Espírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...

Como um canto longínquo - triste e lento -
Que voga e subtilmente se insinua,
Sobre o meu coração, que tumultua,
Tu vertes pouco a pouco o esquecimento...

A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando, entre visões, o eterno Bem;

E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre do Ideal que me consome,
Tu só, Génio da Noite, e mais ninguém.


Antero de Quental,