domingo, 18 de novembro de 2012

Manuel António Pina faria hoje 69 anos.



Manuel António Pina nasceu, em Sabugal, a 18 de novembro de 1943 e faleceu, no Porto, a 19 de outubro de 2012.
Foi jornalista e escritor, premiado em 2011 com o Prémio Camões.
Licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e foi jornalista do Jornal de Notícias durante três décadas, tendo sido depois cronista do Jornal de Notícias e da revista Notícias Magazine.
No dia em que completaria 69 anos de idade, o JN recorda e homenageia o jornalista português mais premiado de sempre (como escritor e cronista):
“Em 1971, no mesmo ano em que se torna jornalista profissional, MAP publica quatro poemas. São editados em "O armário", publicação feita em estêncil, com João Botelho e Manuel Resende. É também a poesia que lhe dá o primeiro dos dez prémios que recebeu. Em 1978. Depois, obteve mais três prémios específicos: em 2002, 2004 e 2005.
Pode dizer-se que MAP pensava em poesia, construindo a cidadania numa constante problematização dos processos da linguagem. A consagração máxima obtida com o Prémio Camões, em 2011, expressa esta dimensão, convergente no escritor e no jornalista.
O Prémio Camões 2011 assinala o "percurso coerente" de MAP, apesar de ser "a coisa mais inesperada que eu poderia esperar" (como disse na altura). Para a atribuição da maior consagração literária em língua portuguesa, o júri teve em consideração "a originalidade e diversidade do conjunto da obra premiada". Fora de dúvidas: foi uma unanimidade sem equívocos.
Tornou-se no jornalista português mais premiado de sempre (como escritor e cronista).
Pela sua obra poética, recebeu três prémios específicos, em vida. Mas, a poesia é para MAP muito mais do que prémios. É a casa, ou seja, "um sítio onde pousar a cabeça".”
JN – 18 de novembro de 2012

A sua obra incidiu principalmente na poesia e na literatura infanto-juvenil, embora tenha escrito também diversas peças de teatro e de obras de ficção e crónica. Algumas dessas obras foram adaptadas ao cinema e TV e editadas em disco.
A sua obra se difundiu em países como França (francês e corso), Estados Unidos, Espanha (espanhol, galego e catalão), Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Rússia, Croácia e Bulgária.
A 9 de Junho de 2005 foi feito Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.




Carta a Mário Cesariny No Dia Da Sua Morte

Hoje soube-se uma coisa extraordinária,
que morreste. Talvez já to tenham dito,
embora o caso verdadeiramente não
te diga respeito, e seja assunto nossos (sic), vivo.

Algo, de facto, deve ter acontecido
porque nada acontece, a não ser o costume,
amor e estrume; quanto ao resto
tudo prossegue de acordo com o Plano.

Há apenas agora um buraco aqui,
não sei onde, uma espécie de
falta de alguma coisa insolente e amável,
de qualquer modo, aliás, altamente improvável.

Depois, de gato para baixo, mortos
(lembrei-me disto de repente
agora que voltaste malevolamente a ti)
estamos todos. A gente vê-se um dia destes por Aí.

Manuel António Pina

Completas
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.

E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.

Manuel António Pina, in “Algo Parecido Com Isto, da Mesma Substância”
A um Jovem Poeta
Procura a rosa.
Onde ela estiver
estás tu fora
de ti. Procura-a em prosa, pode ser

que em prosa ela floresça
ainda, sob tanta
metáfora; pode ser, e que quando
nela te vires te reconheças

como diante de uma infância
inicial não embaciada
de nenhuma palavra
e nenhuma lembrança.

Talvez possas então
escrever sem porquê,
evidência de novo da Razão
e passagem para o que não se vê.

Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"
A um Homem do Passado
Estes são os tempos futuros que temia
o teu coração que mirrou sob pedras,
que podes recear agora tão fundo,
onde não chegam as aflições nem as palavras duras?

Desceste em andamento; afinal era
tudo tão inevitável como o resto.
Viraste-te para o outro lado e sumiram-se
da tua vista os bons e os maus momentos.

Tu ainda tinhas essa porta à mão.
(Aposto que a passaste com uma vénia desdenhosa.)
Agora já não é possível morrer ou,
pelo menos, já não chega fechar os olhos.

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

O Medo
Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

A Poesia Vai Acabar
A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"


Algumas Coisas
A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
só a memória do esquecimento de tudo;
também o silêncio de aquele que fala se calará.

Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.

O que existe falta
sob a eternidade;
saber é esquecer, e
esta é a sabedoria e o esquecimento.

Manuel António Pina, in "Aquele que Quer Morrer"

Aos Filhos

Já nada nos pertence,
nem a nossa miséria.
O que vos deixaremos
a vós o roubaremos.

Toda a vida estivemos
sentados sobre a morte,
sobre a nossa própria morte!
Agora como morreremos?

Estes são tempos de
que não ficará memória,
alguma glória teríamos
fôssemos ao menos infames.

Comprámos e não pagámos,
faltámos a encontros:
nem sequer quando errámos
fizemos grande coisa!

Manuel António Pina, in "Um Sítio onde Pousar a Cabeça"

Amor como em Casa
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde
Saudade da prosa
Poesia, saudade da prosa;
escrevia "tu", escrevia "rosa";
mas nada me pertencia,
nem o mundo lá fora
nem a memória,
o que ignorava ou o que sabia.

E se regressava
pelo mesmo caminho
não encontrava

senão palavras
e lugares vazios:
símbolos, metáforas,

o rio não era o rio
nem corria e a própria morte
era um problema de estilo.

Onde é que eu já lera
o que sentia, até a
minha alheia melancolia?

Manuel António Pina, in "Nenhuma Palavra e Nenhuma Lembrança"
Café do Molhe
Perguntavas-me
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti
naquele tempo eu ouvia)

porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia

que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de
Frei Luis de Léon que Poe

(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse
de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito

sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa

que tudo o que soubesse não o saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo.


Manuel António Pina, in " Nenhuma palavra e nenhuma lembrança"
Chico
Talvez não fosses forte
para a felicidade,
nem para o medo.

Olha as pessoas felizes:
ocultam-se na felicidade
como em casa, erguem muros, fecham as janelas,
o medo
é a sua fortaleza.

O que disputam à morte
é maior que elas,
a morte não lhes basta.

Manuel António Pina, in "Cuidados Intensivos"

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa noite, descobri este blog à uns minutos a trás e adorei o blog esta muito fixe.
Gosto da maneira como esta escrito, os meus belicismos Parabéns!!
Como a cima fala de um poeta, gostava de por aqui um poema que fiz, não sou boa poeta.

Por ti

Será possível esquecer-te?
O que me pode ajudar?
Não te posso ver,
no entanto não te consigo esquecer!

Quando olho para a tua foto,
vejo uma pessoa diferente.
Mudaste a minha vida,
mas também a destruíste.

Quando me dizem coisas mal de ti,
eu protesto e fico do teu lado,
fiz e farei tudo por ti.

A chatice não leva a lado nenhum,
a sinceridade merece o perdão,
e a mentira merece o castigo.

E é tudo, gostava que me desse a sua opinião.

Cumprimentos