terça-feira, 17 de março de 2009

Et voilà!


Jorge Velhote est chez nous. On écoute très attentivemente le poète!

domingo, 8 de março de 2009

poèmes - station de service


• A sabedoria é para os barcos
sob as pontes da noite,
a alma, o oiro.
Aqui dormiria, à distância singular
de um beijo, um lençol de água,
um travesseiro de cuidada pedra.
Outras coisas da infância, mas devagar, outros corpos a penumbra percorrendo,
a poeira da luz espiando os sapatos, a navalha chamuscada.

Também eu herdei a perigosa ilusão
da bicicleta, um silêncio
danado por mulheres, pelo ardor cristalino do álcool,
no limbo mais rasgado do mundo;
o segredo tão natural da pintura
na profecia azul dos mosaicos,
no carvão amargo da noite;
certos vestígios pelo tráfico outrora florescente:
sedas, frutos, tabaco, pequenos tesouros,
caixinhas de laque, sandálias
gastando, dia após dia, a mágoa.

Que posso fazer pelas pedras desta praça senão
cobri-las de aves, trapos, moedas
e pela poalha do crepúsculo seduzir os vitrais,
os óleos santos, o sândalo, o bolor intenso das paredes?
Cambiar a chuva pelos claustros do vento, o vidro
de oficiante fogo, como
em Murano a família Barelli?


Que poderei comprar para o vazio
deste anoitecer? um pouco do meu sol?
daquele mar, um punhado de areia?

Jorge Velhote



É impossível preencher os lugares vazios dos que não ficam para sempre no mesmo lugar
Ao olhar se devolve, subtil
É uma paisagem corroída de negrura
pela noite, uma aragem ferindo as mãos, os ardentes dias,
um alfabeto de tábuas
e verniz cobrindo o peito

O rio é um rosto estendido
entre pedras e ramos, adornando o sol
com paredes de xisto e estacas de lama

É um rosto que cai, aflito, entre
a noite e os dedos, embatido
por ácidos, uma fotografia,
um enunciado mecânico, uma referência fílmica
desconcertante e infinita

Ao olhar se devolve, subtil
e adjacente, a transcendência
dos barcos, seus indecifráveis
e ignorados rumos, a sedução
dos corpos trava a brisa
do entardecer, os simulacros
mais invisíveis da pele, um rosto
antigo como um retrato

É uma ilustração o zumbido das vozes
ocultas entre penedos e silvas, viciam
o silêncio das garças, seus determinados voos
em contraluz à plenitude
da água que se instala doce
nas rendilhadas margens

O rio é uma violência hermenêutica, um simulacro
abusivo do olhar, o lençol da morte, o invisível
selo de um rosto devolvido
ao seu mais secreto silêncio

Pela cesura dos dias, seus meandros
melancólicos, o rio tem um ritmo largo,
um quadril lento, é uma citação
às tintas gastas da memória,

às mulheres em seus xailes e aventais,
a hortaliça e peixe, flores,
pombas, rolas, galinhas e coelhos,
aos apressados e nocturnos homens
formosos em seus desmesurados passos
de dança e ilusão

Quando a claridade da luz canta sílaba
a sílaba a noite do mundo, quando
as palavras esticam as cordas de papel
dos poemas, quando aguardam os nossos
lábios e se abatem silenciosas sob o nosso
olhar oferecendo o parapeito da alegria
à falésia dos dedos, removendo da escuridão
o túnel da música, as palavras todas,
admiráveis sob a pele adormecidas, cavam
rios de estilhaços nas sombras do deserto,
surpreendem a alma com as labaredas ferozes
dos dias —, quando a febre da tua cabeça queima
a água e a terra e o céu e o frio dos lugares,
os pássaros descobrem entre o nada
e a fulgurante melancolia de um verso
a caligrafia da tristeza e da paixão,
as ânforas da ferrugem
do esquecimento

Recorto sombras sentado na manhã dos dias frios com um olhar triste.
É impossível preencher os lugares vazios dos que não ficam para sempre
no mesmo lugar, distante é a voz dos confidentes, as tentações que anoitecem
no fio desagregante do horizonte

Subitamente o vento canta na voz que narra e se esconde como os muros guardam as macieiras, os campos de trigo ou os labirintos breves do que sangra e
definitivo adormece.
Lês, e o instrumento de poder do que lês alicerça as árvores,
os ninhos da imaginação, o rio onde cedo mergulhaste dedos,
olhos e mediste a infância

O que frágil subsiste errante permanece. A dúbia luz
desvanece a catástrofe, o fulgor culminante do invisível.


Jorge Velhote

Traduction


Je ne viendrai pas de nuit entre les navires qui reviennent au quai.

Je ne viendrai pas de nuit entre les navires qui reviennent au quai.
Je suis sur les nuages, entre les dociles ossements des pierres.
Je reste où la bouche dévore la frontière du froid,
épée de sombre oubliée dans les perles des roses.

C’est une brûlure indicible l’aurore,
la finalité des vers une flèche renvoyée.

Jorge Velhote


Traduction en classe de Français du poème Não virei de noite entre os navios que regressam de noite ao cais.

11E

Le poète invité


Jorge Velhote nasceu no Porto em 1954. Tem colaboração dispersa, desde 1978, por vários jornais, revistas, álbuns e antologias. Entre os seus livros contam-se obras como Os Sinais Próximos da Certeza (1983) e a tradução de As Asas de Orvalho dos Ventos, de Adnan Özer. Foi ainda director, com Raul Martins, da revista Rotura, publicada no Porto em 1979. Mais recentemente publicou Máquina de Relâmpagos (2005), com fotografias de João Paulo Sotto Mayor e ilustração de Mariana Negrão.
In http://antologiadoesquecimento.blogspot.com/2007/12/janela-indiscreta.html em 05/03/2009

Jorge Velhote est né à Porto en 1954. Il collabore avec beaucoup de journaux, magazines, albums et anthologies. Parmi ses livres on parle de son œuvre “Os Sinais Próximos da Certeza” (1983) et de la traduction de “As Asas de Orvalho dos Ventos » de Adnan Özer. Il a été directeur, avec Raul Martins, du magazine “Rotura”, publié à Porto en 1979. Plus récemment il a publié « Máquina de Relâmpagos » (2005), avec des photographies de João Paulo Souto Mayor et illustration de Mariana Negrão.

Et le poète invité, c'est...

Tout comme dans le blog "Franceseando ave vous!*", je vous communique que mardi prochain, 10 mars, nous aurons avec nous le poète Jorge Velhote. C’est le poète invité par l’atelier de la poésie de l’Ecole Secondaire de Tomaz Pelayo pour nous servir sa bonne poésie, nous en parler et… bien sûr, lui aussi, en être servi.
Je vous laisse un peu de sa biographie, de son œuvre poétique et la traduction d’un de ses poèmes faite en classe de Français.

Prof. de Communiquer en Français
MªAgostinha